Você já ouviu falar do povoado Galeão em Cairu? Assim como Morro de São Paulo, ele está localizado na Ilha de Tinharé, e é uma pérola cultural da Bahia. O fato de estar posicionado na contra costa da ilha e longe dos holofotes turísticos, fez com que sua identidade histórica e cultural fosse preservada, fazendo dessa pequena comunidade de pescadores e de origem quilombola, o lugar perfeito para o turismo de experiência.
Imaginem uma vilazinha composta por apenas mil habitantes e aos pés de um morro alto onde está instalada uma das mais antigas igrejas da Bahia? E mais, repleta de Mata Atlântica e de um povo sorridente, acolhedor e contador de histórias.
A pesca e o extrativismo artesanal são as principais fontes de renda dessa comunidade belíssima e que vale muito a pena conhecer. Difícil mesmo é sair de lá!
Confira agora a história do povoado, como chegar e o que você encontrará por lá!
A história do Galeão
Historiador - Graduado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Sabe-se que algum tempo após fundar a vila do Morro de São Paulo, Francisco Romero se deslocou até Ilhéus, batizando o lugar com esse nome em função das ilhas que compõem sua paisagem.
A partir de então, as terras doadas ao donatário Jorge de Figueiredo Correa passaram a se chamar Capitania Hereditária São Jorge dos Ilhéus.
Em 1537 o donatário dividiu a Capitania em sesmarias, doando 12 léguas de terras a Mem de Sá, que ainda não havia assumido o 3º Governo Geral do Brasil. Essa grande propriedade iniciava no rio de Contas e se estendia até a Ilha de Tinharé para alguns historiadores, e para outros, até a divisa com a Baía de Todos os Santos.
Após assumir como Governador Geral do Brasil em 1563, Mem de Sá doou a sesmaria das 12 léguas à Companhia de Jesus, que exerceu forte influência no processo de colonização da região. Os jesuítas se utilizavam de estudos sobre as culturas autóctones como estratégia de dominação, ampliando significativamente suas posses ao longo do tempo.
Nasceram assim de missões jesuítas, alguns povoados na região, que viriam a se tornar as cidades de Taperoá, Camamu, Ituberá, Maraú, o distrito cairuense Velha Boipeba na Ilha de Boipeba e Itacaré.
As guerras aimorés geraram caos nos povoados coloniais do continente, o que levou à fundação das vilas Santo Antônio de Boipeba e de Nossa Senhora do Rosário de Cairu, ainda no séc. XVI, com objetivo de criar núcleos de resistência aos ataques autóctones para o desenvolvimento da colonização.
Na segunda metade do século XVI chegaram os primeiros colonizadores do Arquipélago de Cairu, incluindo Domingos da Fonseca Saraiva, que fugindo dos ataques nativos em Ilhéus, se assentou na Ilha de Cairu juntamente com sua família. Seus herdeiros se multiplicaram pela região, fundando inclusive, fazendas de criação na Ilha de Tinharé.
Foi a mando da família Saraiva que ergueram a Igreja de São Francisco Xavier no Galeão em 1626. Mas há fortes indícios desse povoado ter sido fundado ainda no século XVI, já que nesse período a família Saraiva havia se espalhado pela Ilha de Tinharé.
O maior indício que fortalece esse argumento são os vestígios de alicerces em pedras e cal existentes aos pés do morro onde está a Igreja de São Francisco Xavier, assim afirma o arqueólogo Fábio Guaraldo Almeida em sua tese de doutoramento “Passado e Presente na Paisagem: Temporalidades da paisagem quilombola na Ilha de Tinharé, Cairu (Ba)”. Segundo Guaraldo, o sítio onde se encontram os vestígios citados ainda carece de escavações e pesquisas sobre o tema.
No início do século XVII, o Arquipélago de Cairu já despontava como produtor de farinha e demais gêneros de primeira necessidade, chamando atenção dos holandeses quanto à importância estratégica da região. Não surpreende o posicionamento da Igreja de São Francisco Xavier, no alto de um morro e de frente para o Canal de Taperoá, além da sua arquitetura fortificada com paredes espessas.
A Fortaleza do Tapirandu no Morro de São Paulo e demais igrejas da região construídas nesse período, sempre fortificadas e localizadas em promontórios com grande visibilidade, sem dúvida demonstram a intenção militar dessas primitivas construções, num período de guerras promovidas pelos silvícolas e invasões holandesas, de corsários e piratas.
A partir do início do séc. XVII, o Arquipélago de Tinharé passa a receber contingentes de africanos escravizados para o trabalho nas fazendas, lavouras e os poucos engenhos da região, se comparado com o grande desenvolvimento açucareiro do Recôncavo. É dessa massa populacional negra que se multiplica ao longo da colonização, que se originam algumas comunidades da região.
Das fugas e aquilombamentos de escravos rompe o tempo o Galeão, chegando à contemporaneidade com suas origens ainda muito preservadas nos costumes e memórias do seu povo.
Bibliografia
CAMPOS, Silva. Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1981.
COELHO FILHO, Luiz Walter. A Capitania de São Jorge e a Década do Açúcar (1541 – 1550). Salvador: Vila Velha, 2000.
GUARALDO ALMEIDA, Fábio. Passado e Presente na Paisagem: Temporalidade da paisagem quilombola na ilha de Tinharé, Cairu (BA). 2021. Tese (Doutorado) - Museu de Arqueologia e Etnologia da cidade de São Paulo, 2021.
JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasílico ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1858.
RISÉRIO, Antônio. Tinharé: História e Cultura no Litoral Sul da Bahia. Salvador: BYI Projetos Culturais Ltda, 2003.
SOUZA, Gabriel Soares. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Hedra, 2010.
Como chegar ao povoado Galeão na Ilha de Tinharé
A partir de Cairu, é possível ir de barco pelo mar, são apenas 10 km até o Galeão. Já partindo de Valença, é preciso percorrer antes 30 km pela rodovia BA-001 até a cidade de Nilo Peçanha, e em seguida mais 21 km pela BA-884 até Cairu.
Uma outra forma de chegar ao Galeão é seguir pela BA-001 até Nilo Peçanha, de lá pegar a BA-884 e antes de Cairu, entrar numa estrada de barro até Torrinhas. A viagem de lancha entre Torrinhas e o Galeão dura apenas 15 minutos.
Mas se você está no Morro de São Paulo e quer conhecer o povoado do Galeão, uma opção é fazer caminhando, são 21 km numa trilha que vai cortando a Ilha de Tinharé, com belas paisagens e vegetação pelo caminho.
Essa mesma trilha pode ser feita alugando uma bike ou através de um passeio de quadriciclo. Há também a opção de fretar uma lancha e fazer um passeio pela Ilha de Tinharé com foco e parada no Galeão.
O que há de legal para conhecer no Galeão
Na pequena vila de pescadores você encontrará uma exuberante Mata Atlântica e muitos manguezais. Indispensável é subir o morro para conhecer a Igreja São Francisco Xavier e seu mirante espetacular, um dos cartões postais mais bonitos de Cairu, certamente!
Não deixe de visitar um antigo casarão do século XIX chamado “Quatro Estações”, forte presença da arquitetura colonial na comunidade.
Caminhar pela bucólica vila e conversar com os moradores pode revelar histórias fantásticas, além de sorrisos, abraços, muita amizade e simpatia. É muito importante provar da gastronomia local, recheada de mariscos, crustáceos e pescados, tudo fresquinho.
E aí? Ficou com vontade de conhecer o povoado do Galeão na Ilha de Tinharé? Conheça agora outros povoados próximos do Morro de São Paulo, e amplie as possibilidades no seu roteiro pelo baixo-sul da Bahia.
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